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segunda-feira, 7 de junho de 2010

AVC em Jovens

    O AVC nos jovens (dos 18 aos 45 anos) constituiu no nosso estudo 6% do total de AVC.s diagnosticados, sendo na sua maioria isquémicos, o que está de acordo com a literatura (variação de 3,9% a 13,5%, com predomínio do AVC isquémico, embora alguns estudos reportem taxas na ordem dos 19 a 30%), tornando-se portanto uma patologia de relevo neste grupo etário.
    Tal como descrito por outros autores, verificou-se um predomínio do sexo feminino até aos 35 anos e do sexo masculino após essa idade e um aumento crescente da incidência do AVC isquémico, em ambos os sexos, a partir dos 35 anos atribuído principalmente a uma maior incidência de aterosclerose precoce.
     A pesquisa de factores de risco cardiovascular demonstrou na nossa população uma elevada prevalência com 86,7% dos doentes com pelo menos um factor de risco identificado. Mesmo se considerarmos cada factor de risco individualmente verifica-se uma prevalência bastante superior à descrita na literatura para este grupo etário.
    Ao considerarmos apenas a subpopulação com AVC isquémico esta percentagem é ainda maior (94%), o que justifica que a principal etiologia, do AVC isquémico nesta população tenha sido a aterosclerose precoce em 42,9% destes doentes: ateromatose de grandes vasos em 28,6% (dos quais 30% já com evidência imagiológica de doença aterosclerótica difusa) e lacunares em 14,3%, bastante superior à habitualmente descrita. Verificou-se ainda que é uma etiologia particularmente importante nas classes etárias dos 35 aos 45 anos.
    A fibrodisplasia e a dissecção arterial foram responsáveis por 11,4% dos eventos, indo de encontro ao previamente descrito (entre 2,1% e 21%). Na nossa população a incidência de AVC de etiologia cardio-embólica foi bastante inferior ao habitualmente descrito (19 a 35%), o que poderia sugerir uma investigação não exaustiva destes doentes. No entanto, o ecocardiograma só não foi efectuado em seis doentes porque: quatro apresentavam factores de risco cardiovascular múltiplos com alterações significativas no ecodoppler carotídeo ou enfarte lacunar, considerou-se um de causa cardio-embólica por fibrilação auricular e outro faleceu. Nos doentes cuja etiologia não foi encontrada o ecocardiograma transtorácico foi efectuado em todos e quatro efetuaram ecocardiograma transesofágico. Admite-se que nestes doentes, deveria ser efetuado por rotina ecocardiograma transesofágico, precocemente, o que nem sempre é viável no nosso hospital por exigir referência a outra instituição.
     Em 25,7% dos doentes não foi possível determinar a etiologia do AVC. Na literatura a percentagem de casos de etiologia indeterminada varia de 4 a 27% dependendo da definição da etiologia.
    Alguns autores consideram que o uso de anticoncepcionais orais (ACO) é por si só um factor de risco suficiente para se lhe atribuir a ocorrência do AVC na ausência de outras causas identificáveis. O Collaborative Group for the Study of Stroke in Young Women afirma que o uso de ACO se associa a um risco nove vezes maior, risco esse que aumenta significativamente se se associa a enxaqueca, tabagismo ou outros factores de risco. Gautier et al consideraram que a toma de ACO foi a causa de 43% dos AVC.s isquémicos nas mulheres jovens incluídas no seu estudo12. No nossa população 77,8% das mulheres que sofreram AVC isquémico tomavam ACO.
    O consumo de álcool também tem sido considerado, por alguns autores, como factor de risco cardiovascular pelo risco de indução de arritmias cardíacas, aumento da pressão arterial e da agregabilidade plaquetária, redução do fluxo sanguíneo cerebral por estimulação da contracção do músculo liso vascular e alteração do metabolismo cerebral.
    No nosso estudo 17% dos doentes tinham hábitos alcoólicos. Controverso, também, é o achado de enxaqueca como antecedente pessoal num doente com AVC, como causa suficiente, baseado na fisiopatologia, isto é, possibilidade de induzir vasoespasmo e/ou arteriopatia, embolia ou alterações plaquetárias. Revendo a literatura conclui-se que este deve ser um diagnóstico de exclusão, tendo-lhe sido atribuída a etiologia do AVC em 12,5% dos casos descritos no estudo de Bevan et al (estudo retrospectivo de 113 jovens, entre 15 e 45 anos, com AVC, dos quais 48apresentavam AVC isquémico). Dois dos nossos doentes tinham história de enxaqueca, mas não se encontravam em crise na altura do AVC.
    Assim, se alargarmos a definição da etiologia do AVC isquémico, abrangendo as causas atrás descritas, ficamos apenas com um caso de etiologia indeterminada (2,8%), uma vez que dos nove doentes em quem não foi possível determinar a causa do AVC: cinco tomavam ACO, duas doentes tomavam ACO e tinham história de alcoolismo e tabagismo e outro tinha história de alcoolismo e tabagismo.
     A taxa de mortalidade precoce (na primeira semana) foi de 11,4%, um número semelhante ao descrito na literatura (variação de 5 a 17%). Na nossa população o AVC hemorrágico correspondeu a 22,2% do total de AVC.s diagnosticados neste grupo etário, um número semelhante ao apresentado na literatura revista. Houve uma maior incidência no sexo feminino, mas devido ao reduzido número de casos não é valorizável. Ocorreu em idades mais jovens que o AVC isquémico, mas também estes doentes apresentavam na sua maioria factores de risco cardiovascular: HTA (cinco doentes), dislipidemia (um doente) e uso de ACO (um doente); embora 40% não apresentassem qualquer factor de risco (provavelmente por pertencerem a grupos etários mais jovens).
      Provavelmente, pelo número reduzido de doentes, foi possível determinar a etiologia em todos os casos, excepto no doente que faleceu precocemente. Em 50% a etiologia foi hipertensiva, ou seja, um número ligeiramente superior ao descrito na literatura, mas que se enquadra na elevada prevalência de HTA nestes doentes.
     A taxa de mortalidade no AVC hemorrágico foi elevada (30%), mas dentro dos valores esperados para este tipo de patologia.
     No nosso estudo a prevalência da doença vascular cerebral, em grupos etários jovens, foi significativa. Na população estudada, a aterosclerose precoce, associada a uma incidência de factores de risco cardiovascular superior à descrita na literatura, para este grupo etário, foi o principal factor etiopatogénico. O prognóstico da doença cerebrovascular é mais favorável em idades jovens, no entanto, no nosso estudo, a mortalidade atingiu 15,6% e 9% dos doentes ficaram gravemente incapacitados. Estes dados remetem-nos para a necessidade de optimizar os cuidados de saúde primários, melhorando a eficácia da prevenção primária.